terça-feira, 20 de abril de 2010

DA NATUREZA E DA AUTO NATUREZA INTERDISCIPLINAR
Caterina Casaretti [1]
RESUMO                                                                                                                     
Este artigo tem por finalidade contribuir para os debates sobre a natureza da interdisciplinaridade e a disseminação de proposições para uma postura mais adequada ao pensamento interdisciplinar mediante uma abordagem complexa do conhecimento assim como da prática interdisciplinar em si  mesma. Inúmeros são os trabalhos, como teses e dissertações documentadas e de alta relevância ao tema que possuem enorme respeitabilidade nas comunidades científicas como as obras da Dra Ivani Fazenda e de seus orientandos. Vamos aqui fazer uma reflexão sobre o artigo: Desafios e Perspectivas do Trabalho Interdisciplinar no Ensino Fundamental. Contribuições das Pesquisas sobre Interdisciplinaridade no Brasil: O Reconhecimento de um Percurso da Dra Ivani Catarina Arantes Fazenda.  Ivani é uma das maiores autoridades da área interdisciplinar e seus trabalhos têm contribuído para as melhorias do convívio no ambiente escolar uma vez que são pautados na dialogicidade, em contrapartida às situações conflitantes, existentes em nossa sociedade. Essa contribuição se estende aos currículos e conteúdos, metodologias e abordagens escolares e suas   melhorias se refletem nas comunidades envolvidas mediante um olhar restaurativo. Abordo o tema da auto natureza interdisciplinar para fundamentar minhas hipóteses criticas diante do modelo educacional vigente. Ao meu olhar, este modelo necessita, com muita eficácia e rigorosidade, tornar-se menos fragmentado e mais interdisciplinar, para que sejam de fato construídas situações salutares no âmbito do convívio e ao estudo aprofundado dos objetos sem a necessidade da resiliência posterior. Os objetos que pautam as minhas observações são frutos das inquietações de grandes educadores que revelam a perda do foco, amplitude e profundidades em relação aos mesmos.

 Palavras-chave1: Interdisciplinaridade; dificuldades; ética; complexidade; criticidade.

INTRODUÇÃO
Falar em interdisciplinaridade não é fácil, ainda mais  partindo do  pressuposto que o meio nos influencia, e que por ele somos influenciados. Cabe buscar o que é um olhar interdisciplinar e sua prática. Para entender a ação interdisciplinar é preciso compreendê-la como uma reconstrução de caminhos fragmentados a percorrer mediante o reconhecimento dos mesmos. Aí se inicia a discussão sobre a natureza da interdisciplinaridade e da auto natureza interdisciplinar.
Dadas as dificuldades e complexidades atuais que envolvem particularmente a todos os seres vivos na ordem planetária, faz-se necessária uma alteração interna de postura perante o mundo para que, partindo deste princípio, possamos chegar ao no auto-conhecimento. Como observa Rosseau, em relação ao discurso e ao ato de quem discursa
Para conhecer os homens, é preciso vê-los agir. No mundo, ouvimo-los falar; mostram os seus discursos e escondem as suas ações, mas, na História, elas são desvendadas e julgamo-los pelo que fizeram. Mesmo os seus propósitos ajudam a apreciá-los, pois, comparando o que fazem com o que dizem, vê-se o que são e o que querem parecer: quanto mais se disfarçam, mais bem os ficamos a conhecer. (Rousseau, 1990 b, p. 39).

E para entender a complexidade da atuação incluo a reflexão de Mariotti sobre sistemas:
Existem sistemas fechados e sistemas abertos. O sistema fechado não cria relação com o meio e tende à entropia e, consequentemente, à morte, o sistema aberto, ao contrário, mantém constante interação com o meio, e assim, a partir do conceito de retroalimentação, está sempre em  mudança e numa constante troca com o meio, pois interfere no meio e também é afetado por ele. (Mariotti, 1995, p. 71-72).

Há, porém, de se observar que há  interdependência nesta atitude de mudança: “Não se pode reformar a instituição sem uma prévia reforma das mentes, mas não se pode reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições.” (Edgar Morin 2000 p.32 Com base nestas considerações sobre complexidade e interdependência no que se refere ao ensino e sua evolução, o projetar seria: “Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se a atravessar um período de instabilidade e buscar nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor que o presente” (Gadotti, apud Sousa, 2002, p. 72).
Como afirma Proust em relação ao descobrimento:Uma verdadeira viagem de descobrimento não é encontrar novas terras, mas ter um olhar novo.” (Apud Morin, 2000, p. 07).
Afinal para sermos realmente seres autônomos e participativos é preciso ampliar os veículos da educação.
Não se constrói a autonomia da escola senão mediante um entendimento recíproco entre dirigentes do sistema e dirigentes escolares entre estes e a comunidade escolar (incluindo pais) a respeito de que tipo de educação a escola deve promover e de como todos, em conjunto, vão agir para realizá-la. Não se trata, portanto, de um processo de repartir responsabilidades, mas de desdobrá-las, ampliando-as e compartilhando-as (Lück,2000,p. 250).
É então do desvelamento e desdobramento interior de si para com o outro que surge o salto de uma condição de ser-objeto para uma posição objetivada na existência sendo a interdisciplinaridade inerente a todo ser, daí a sua natureza interdisciplinar e a sua auto natureza interdisciplinar:
A necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita a distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas. Transformar a experiência educativa em algo puramente técnico é amesquinhar o que há de mais fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. O exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjeturar, de comparar, na busca da perfilização do objeto ou do achado de sua razão de ser. Um ruído, por exemplo, pode provocar minha curiosidade. (Paulo Freire, 1997)

Ao repensar agora a interdisciplinaridade seguiremos os passos de mérito da pesquisadora Ivani Fazenda na ordem epistemológica:
Numa tentativa de elucidação da questão epistemológica “interdisciplinaridade como exigência do conhecimento”, (...) um estudo de sua gênese e significado, e constata que o termo “interdisciplinaridade” não possui ainda um sentido único e estável e que, embora as distinções terminológicas sejam inúmeras, seu princípio é sempre o mesmo: caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pela integração das disciplinas num mesmo projeto de pesquisa.  (FAZENDA, 1999, p. 30-31).
Em relação aos procedimentos cabe lembrar as palavras de Celestin Freinet em relação ao peso do conhecimento como não sendo de caráter entediante e fragmentado:
Seja como for, temos de esquecer a nossa formação escolar em que a objetividade pretendia explicar tudo e as nossas obrigações estritamente pedagógicas se identificavam com a mania de ensinar; à nossa frente, sem nos pedir licença, a criança enveredava por outros caminhos, os que lhe são próprios, e por processos de tentativas, essencialmente instintivos, deslocando-se para onde quer, certa do concurso dos seus poderes como o caracol segregando a concha. Há que entrar resolutamente no reino da infância. (FREINET, Apud ELIAS, 1997, p. 297)

Quando as comunicações são na intenção de transpor as relações numa evolução em progressão geométrica:
O que queremos dizer é que o pensar interdisciplinar parte da premissa de que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma exaustiva. Tenta pois, o diálogo com outras fontes do saber, deixando-se irrigar por elas. (...) capaz de enriquecer nossa relação com o outro e com o mundo. (FAZENDA, 1999, p. 15).
Praticar uma postura coerente com um discurso que não está solidificado é abrir gratuitamente as possibilidades de um abraço à uma evolução necessária e merecedora. Evolução que partilha uma identidade universal ao comparecer às uniões que irão contribuir para o sucesso da paz no mundo, ao se fazer presente às reuniões que trarão as modificações necessárias de nós mesmos e que nos possibilitariam integrar de maneira a auxiliar a nós mesmos  as competências necessárias para uma verdadeira qualidade de vida relacional objetivada e que só podem vir a existir mediante as trocas e parcerias dialéticas.
Assim sendo, em âmbito de pluri ou de multidisciplinaridade, ter-se-ía uma atitude de justaposição de conteúdos de disciplinas heterogêneas ou a integração de conteúdos numa mesma disciplina. Em termos de interdisciplinaridade, ter-se-ía uma relação de reciprocidade, de mutualidade, ou, melhor dizendo, um regime de co-propriedade, de interação, que irá possibilitar o diálogo entre os interessados, dependendo basicamente de uma atitude cuja tônica primeira será o estabelecimento de uma intersubjetividade. A interdisciplinaridade depende então, basicamente, de uma mudança de atitude perante o problema do conhecimento, da substituição de uma concepção fragmentária pela unitária do ser humano. (FAZENDA, 1999, p. 31)
Se inter, se trans, se pluri, se multi a importância do desapego é um ponto a se pensar em relação às burocracias do processo. Sem disciplina não há interdisciplina, porém, sem interdisciplina não se vê o todo e somente as partes. Vamos então nos nortear pelos cinco princípios que subsidiam uma prática docente interdisciplinar sendo estes: a humildade, a coerência, a espera, o respeito e o desapego. Cabe ao educador mediar, sem estabelecer deformações que exijam uma posterior resiliência no ser educando.
Muitos estudiosos têm procurado definir a interdisciplinaridade, mas muitas vezes se perdem na diferenciação de aspectos como multi, pluri, e transdisciplinaridade. (...) Outros estão mais preocupados com a forma como o movimento da interdisciplinaridade se desenvolve, procurando fazer retrospectivas históricas da evolução do conhecimento através dos séculos e/ou através das marcas nele cinzeladas por alguns pensadores. (FAZENDA, 1999, p. 14).

CONCLUSÃO
Com estas reflexões abre-se um leque de possibilidades cuja única intenção é construir uma postura ética e de ordem existencial de respeito às integridades do ser e do mundo que gere uma realidade mais democrática e participativa. Isto significa praticar uma postura coerente com um discurso que não está solidificado e abrir gratuitamente as possibilidades de um abraço a uma evolução necessária e merecedora que partilham uma identidade universal. É próprio da excelência humana não perceber a simplicidade complexa de todas as reverberações de atitudes e posturas pessoais e individuais. Fica mais possível perceber se ampliarmos este ponto de reflexão. Para todos, percebê-lo-íamos como todos integrantes de uma única realidade existencial comum. Uma alteração interna de postura perante o mundo, que permita entender a atuação interdisciplinar e compreendê-la como um resgate de um caminho fragmentado a percorrer, dadas as dificuldades e complexidades atuais que envolvem particularmente a todos os seres vivos na ordem planetária. Agradeço com profundo respeito a todos os envolvidos. 
Abril,5 de 2010.

Referências bibliográficas
ELIAS, Marisa Dell Cioppo; De Emílio a Emília A trajetória da alfabetização, 1 ed, São Paulo, Editora Scipione, 2005.

FAZENDA, Ivani C. Arantes; Interdisciplinaridade Um projeto em parceria, 4 ed, São Paulo SP, Editora Loyola, out. 1999.

________; Práticas interdisciplinares na escola, Org. Ivani Fazenda, 8 ed São Paulo, Editora Cortez, 2001.

FREINET, Celestin; O método natural I, a aprendizagem da língua, Lisboa: estampa 1977(a). 3v.

________; O método natural II, a aprendizagem da língua, Lisboa: estampa 1977(b).  3v.

________; O método natural III, a aprendizagem da língua, Lisboa: estampa 1977(c).  3v.

FREIRE, Paulo; Pedagogia do Oprimido, 67 ed. São Paulo, Editora Papirus, 1997.

LÜCK, Heloisa; Perspectivas da gestão escolar e implicações quanto à formação de seus gestores. In: Em aberto. Gestão escolar e formação de gestores, Brasília, vol. 17, junho de 2000.

MARIOTTI, Humberto; Organizações de aprendizagem: educação continuada e a empresa do Futuro, São Paulo, Atlas, 1995.

MORIN, Edgar; A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2000.

________; Os sete saberes necessários à educação do futuro, São Paulo, Cortez, Ave Maria, 1981.

SOUSA, José Vieira e CORREA, Juliane. Projeto pedagógico: a autonomia construída no cotidiano da escola: In: VIEIRA, Sofia Lerche (Org.) Gestão da escola: desafios a enfrentar, Rio de Janeiro: DP&A, 2002.


[1] Caterina Casaretti graduanda bolsista em Pedagogia plena pela Faculdade de Educação THEREZA PORTO MARQUES, Pesquisadora do Instituto Unibanco pelo Projeto Jovem de Futuro, Editora de Vídeo Tape com créditos dos trabalhos nas TVs, Nova Visão, TV Câmara SP/TV Cultura e TVE BA; integrante do GEPI – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Interdisciplinaridade na PUC/SP. Email: katekasa@gmail.com/ Fone: (12 88438610).


segunda-feira, 5 de abril de 2010